A Federação Nacional dos Enfermeiros, vêm à público, realizar esclarecimento acerca da COVID-19 (Coronavirus Disease 2019), doença infeciosa causada pelo Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2 (SARS-CoV-2). Em 11 de março do corrente ano, a COVID-19, foi declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como pandemia. Nesse estágio, a epidemia da doença toma proporções continentais, necessitando de medidas governamentais emergenciais para contornar o quadro com vistas a quebrar a cadeia de transmissão e reduzir os riscos à população. Incialmente identificada em Wuhan, China, a COVID-19 já atingiu 123 países e territórios e mais de 132 mil casos de Covid-19 foram registrados. Até 13 de março, a OMS, através de seu diretor-geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus, declarou que mais de 5 mil vidas foram perdidas em razão do novo coronavírus. No Brasil, o Ministério da Saúde informou que o número de pessoas contaminadas pelo vírus Sars-Cov-2 subiu para 234 e que outros 2.064 casos suspeitos aguardam resultado de exames. Hoje, 17 de março de 2020, houve o registro do primeiro caso de óbito brasileiro em virtude da COVID-19.
Diante do quadro alarmante, as esferas governamentais adotaram medidas de contingenciamento. Entretanto, tais medidas não levaram em consideração diversas questões essenciais à classe trabalhadora. Na maioria dos Estados e Munícipios, os planos contingenciais não foram construídos coletivamente com os profissionais de saúde ou com o controle social. Esse grave erro, têm levado à não efetivação das medidas emergenciais por questões relacionadas à precariedade da infraestrutura dos equipamentos de saúde e ausência de condições mínimas de trabalho para as equipes de saúde.
Cabe a FNE frisar que as categorias da enfermagem perfazem uma população com cerca de 2.300.000 pessoas. Somos mais de 60% da força de trabalho da saúde. Os serviços, prestados pela enfermagem, abrangem 100% dos setores da saúde e seu cuidado possui uma integralidade de jornada de 24 horas diárias em âmbito hospitalar. O atendimento prestado pelos profissionais da enfermagem se dá em todos os grupos populacionais. Assim sendo, suas entidades representativas deveriam ser chamadas pelas esferas governamentais para tratar das medidas de enfrentamento quanto à pandemia COVID-19. Tal situação não ocorreu. Praticamente nenhuma representação de profissionais de saúde foi convidada pelo Ministério da Saúde para dialogar sobre o tema, tão caro à saúde brasileira. Se hoje, não temos o completo caos do sistema de saúde, isso se deve a seus trabalhadores, que dia e noite se dedicam à tarefa de salvar vidas. Esse reconhecimento é preciso ser dado à essas mulheres e homens que defendem a garantia do direito social da população brasileira à saúde.
Também se faz necessário, considerar que o não investimento governamental nos sistemas universais de saúde, em todo mundo, contribuiu vertiginosamente para a condição de pandemia do COVID-19. Em muitos países, a população encontra-se completamente desprotegida socialmente, sem acesso até mesmo aos exames diagnósticos para coronavírus. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, garante aos seus cidadãos o direito à saúde. Com a criação do Sistema Único de Saúde, milhares de brasileiros passaram a ter acesso universal e público aos serviços de saúde em todos os níveis de complexidade. O Estado, a partir de então, têm o dever de garantir a integralidade da saúde do povo brasileiro conforme seu art. 196:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Nos últimos anos, o SUS vem sofrendo crescente desfinanciamento através de diversas medidas governamentais e legislativas. Após a Emenda Constitucional 95/2016, que congela os investimentos voltados para saúde, educação e assistência social por 20 anos, a perda de recursos financeiros para o setor saúde gira em torno de sete bilhões de reais, só no período de 2017 a 2018. Somada a outras ações de desfinanciamento, que incluem principalmente a Atenção Primária à Saúde, a EC 95 traz consequências gravíssimas ao Sistema de Saúde Brasileiro. Tal situação reflete inevitavelmente no enfrentamento da COVID-19, uma vez que o sucateamento da rede de média e alta complexidade, bem como da atenção básica, é evidente. Ainda assim, é o SUS e seus trabalhadores que têm garantido que os brasileiros não sucumbam ante as epidemias de proporções continentais.
Em consulta pública, em setembro de 2019, para construção da Carteira de Serviços para Atenção Primária à Saúde, o Ministério da Saúde, criminalizou a enfermagem por focar demasiadamente seus serviços na prevenção e promoção de saúde. A orientação era investir na perspectiva curativista. Ocorre que hoje, frente à pandemia do novo coronavírus, fica claro o equívoco do discurso governamental. As ações preventivas e de promoção da saúde devem ser o cerne do enfrentamento à COVID-19.
Nesse sentido, a Federação Nacional dos Enfermeiros orienta à categoria em todo o país que atentem às normativas previstas nas legislações específicas da Enfermagem. Reforçamos a realização da higiene constante das mãos, uso adequado de Equipamentos de Proteção Individual, desinfecção de materiais de uso pessoal e de trabalho, obediência aos protocolos estabelecidos pela ANVISA e CCIH’s, cumprimento, dentro de sua governabilidade, dos planos contingenciais locais para a COVID-19, exigência de capacitação acerca do enfrentamento à pandemia do novo coronovírus, manutenção de solidariedade no processo de trabalho em equipe, registro de todas as intercorrências (falta de EPI’s, insuficiência de adequado dimensionamento, precariedade de condições de trabalho, assédio moral, etc.) e comunicação à chefia imediata, realização de boletim de ocorrência, caso sejam obrigados a realizar assistência com probabilidade de comprometimento da segurança do paciente e do trabalhador. Quanto às questões trabalhistas, solicitamos que os enfermeiros comuniquem a seus sindicatos quais infrações estão ocorrendo em ambiente laboral. Frequentemente surgem questionamentos sobre algumas situações:
1) Caso não haja fornecimento de equipamentos de proteção individual, o profissional enfermeiro pode se recusar a realizar a assistência ou comparecer ao serviço? – Orientamos que não haja evasão do serviço, e que o fato seja registrado em livro de Ordem e Ocorrências ou similar, bem como que se realize a comunicação interna formal à chefia imediata. Alertamos que o profissional deve garantir o seu acesso à copia de tal documento. A ausência de EPI traz risco iminente à segurança do paciente. Nesse caso, o profissional pode comunicar a impossibilidade de realização do procedimento devido à falta dos equipamentos e materiais necessários. Sempre se faz necessário avaliar o risco benefício da execução de procedimentos ante a ausência de EPI. Indicamos seguir o Código de Ética da Enfermagem. Se o profissional de enfermagem for assediado, pelo empregador, a realizar procedimentos que incorram em risco à segurança do paciente, o ideal é registrar o fato devidamente, inclusive com boletim de ocorrência e procurar seu sindicato para que tomem as medidas cabíveis.
2) Caso o enfermeiro faça parte dos grupos vulneráveis estabelecidos pelo MS, ele pode se ausentar automaticamente do serviço? – A OMS e MS apontam que idosos, diabéticos, hipertensos, portadores de insuficiência renal ou doença respiratória crônica são grupos vulneráveis a infecção pelo SARS-CoV-2. A maioria dos decretos legislativos nos Estados e municípios ratifica a vulnerabilidade dessas populações e recomendam que os gestores e empregadores dispensem esses trabalhadores por pelo menos 14 dias. Entretanto, muitos decretos não incluem nessas situações os profissionais de saúde. Recomendamos que a categoria comunique oficialmente, à sua chefia imediata, sua condição de saúde e solicite a dispensa do serviço, principalmente se o profissional estiver em contato com aglomerações. Caso, a solicitação não seja aceita converse com seu sindicato para que possam ser tomadas medidas cabíveis. Não indicamos, que o enfermeiro se ausente do serviço sem que a dispensa esteja oficializada. A mesma indicação se dá para aqueles que estão na condição de isolamento domiciliar. Aos sindicatos alertamos para que busquem incluir nas negociações coletivas, a proteção á saúde do trabalhador, incluindo cláusulas específicas para os casos de epidemia.
3) Nos casos de enfermeiros lotados na rede de atenção primária à saúde, é possível cancelar as atividades eletivas? – Reforçamos que a essência da Atenção Primária à Saúde é a prevenção e promoção à saúde. No entanto, diante da imensa demanda nas UBS com usuários apresentando sintomas respiratórios e do subdimensionamento de profissionais de enfermagem nessa rede de atenção, indicamos a priorização de atendimento. As equipes de saúde devem orientar a sua população adscrita sobre as recomendações do Ministério da Saúde quanto ambientes que propiciam aglomerações que potencializar a cadeia de transmissão do SARSCoV-2. Frisamos que os demais problemas de saúde merecem atenção, principalmente as relacionadas à sazonalidade. Nos meses chuvosos, o Brasil tem um aumento considerável das arboviroses, como a dengue. A Atenção Primária à Saúde é coordenadora do cuidado e ordenadora das redes de atenção à saúde. A avaliação do custo-benefício da suspensão de determinadas ações deve levar em consideração a realidade do território. Esse diálogo deve ser realizado junto aos gestores para que a tentativa de cumprimento dos planos de contingência para COVID-19, não levem a APS ao colapso.
4) Caso o enfermeiro não as receba a devida capacitação para o manejo da COVID-19, pode se recusar a cumprir os protocolos locais para enfrentamento da pandemia? – A educação permanente e continuada em saúde é obrigação dos gestores e empregadores. Quando existe ausência de capacitações para execução de protocolos específicos, o enfermeiro deve exigir esse direito através de comunicado interno à sua chefia imediata. Caso persista, a não observância acerca da educação em serviço, deverá o profissional comunicar ao Conselho Regional de Enfermagem e ao Sindicato de Enfermeiros de seu Estado, bem como órgãos de fiscalização como ministério público e conselhos de saúde.
Informamos à população brasileira e gestores que os profissionais de enfermagem não têm envidado esforços a fim de garantir o bem-estar do povo. A pandemia COVID-19, é mais uma batalha enfrentada bravamente por nossa categoria, bem como pelos demais profissionais de saúde. No entanto, a realidade que se apresenta é deveras cruel para com a enfermagem brasileira. Além da desvalorização remuneratória e falta de condições de trabalho, nossa categoria lida diariamente com o assédio moral e sexual, o que tem culminado com seu adoecimento físico e mental que resulta no aumento do índice de suicídios entre os trabalhadores da enfermagem. No caso do novo coronavírus, a realidade que encontramos é a falta de EPI’s, precariedade de infraestrutura nos hospitais e unidades básicas de saúde, superlotação dos serviços, ausência de suporte à saúde do trabalhador, planos de contingência inadequados à realidade local, entre outras situações que aumentam a criticidade do quadro. Em detrimento desse contexto, a valorosa enfermagem segue com a priorização do cuidado a todas brasileiras e brasileiros.
Desta forma, solicitamos ao povo brasileiro que se atente às orientações preventivas quanto à COVID-19. Higienize as mãos constantemente; evite contato social mais próximo, como beijos e abraços; procure se dirigir aos hospitais apenas quando possuir sinais de alerta, como febre acima de 37,8ºC e desconforto respiratório. Caso possua sintomas gripais leves mantenha-se em seu domicílio com os cuidados básicos. Evite aglomerações. Comunique às autoridades sanitárias, caso tenha sintomas leves e seja contato de alguém que seja suspeito para COVID-19. Todos devem fazer a sua parte quanto ao combate ao novo coronavírus.
Aos governantes e empregadores conclamamos que dialoguem com a classe trabalhadora. Adotem medidas que levem em consideração as diversidades de seus territórios. Busquem sanar os problemas de infraestrutura dos equipamentos de saúde, garantir dimensionamento adequado de trabalhadores, garantir fornecimento de EPI’S em quantitativo suficiente, construir planos de contingência de forma coletiva com trabalhadores e o controle social. Respeitem os direitos trabalhistas. Os Governos devem atentar para o fato de que o Brasil elegeu o Estado de Bem-estar Social para seu povo, o que inclui direito a transporte urbano adequado, moradia, trabalho digno, segurança pública, educação, além do acesso universal à saúde.
Por fim, a Federação Nacional dos Enfermeiros reafirma seu compromisso com o fortalecimento do SUS e com a Luta por Justiça Social e pela Garantia dos Direitos da Classe Trabalhadora. A conjuntura políticoeconômica e social mundial exige que venhamos a consolidar nossa consciência de classe. A unidade de esforços é a único caminho viável para enfrentar a pandemia COVID-19.
Certos de contar com o entendimento, nos colocamos à disposição através do e-mail: fne@portalfne.com.br ou contato@portalfne.com.br – telefone (61) 3321-0043 – 99517-4343.
Respeitosamente, Shirley Marshal Díaz Morales
Presidente da FNE